top of page

As problemáticas e os desafios da negligência à Febre Oropouche


A Febre Oropouche é uma enfermidade causada pelo Oropouche vírus (OROV), pertencente ao gênero Orthobunyavirus [11]. Considerada emergente na América Latina, a doença era endêmica até o ano de 2023, com registros restritos aos países Trindade e Tobago, Brasil, Panamá, Peru, Equador, Bolívia, Venezuela, Haiti, Colômbia, Guiana Francesa e Cuba. Porém, em 2024 foram registrados casos importados da doença na Europa [1] e nos Estados Unidos [8].


A transmissão do OROV ocorre, principalmente, através do mosquito-pólvora (Culicoides paraensis, da família Ceratopogonidae), podendo também ser transmitida por culicídeos, como o Culex quinquefasciatus [2]. Os mosquitos culicídeos Aedes aegypti e Aedes albopictus podem ser infectados artificialmente em laboratório, no entanto, há estudos que indicam que estas espécies não são vetores efetivos para OROV, pois o vírus não consegue infectar os mosquitos  através da alimentação [4].


O Oropouche virus possui três variantes conhecidas: o Iquitos vírus (IQTV), encontrado no norte do Peru, o Madre de Dios vírus (MDDV), presente no norte da Venezuela e sul do Peru e o Perdões vírus (PDEV), atualmente registrado no centro do Brasil, conforme visto na figura 1. Essas variantes surgem quando dois vírus diferentes infectam uma mesma célula, promovendo a troca de informações genéticas e resultando em uma maior diversidade. Os sintomas causados por essas variantes são semelhantes aos do OROV, mas a taxa de casos assintomáticos é difícil de estimar [10]. Nunca foram observadas infecções por mais de uma variante, ou mesmo do OROV com uma das variantes ao mesmo tempo, porém não há dados concretos de que não seja possível ocorrer, ou de que a infecção por uma das variantes gere resistência às outras.


História e Epidemiologia


O primeiro registro da Febre Oropouche ocorreu em 1955, em Trindade e Tobago [10], e desde então a doença foi identificada em outros 10 países da América Latina até o início de 2024 [9]. No Brasil, o primeiro caso foi registrado em 1960, em um bicho-preguiça, seguido pelo primeiro registro em humanos em 1961, durante um surto em Belém, Pará, que afetou cerca de 11 mil pessoas [9]. Entre 1961 e 1996, foram registrados mais de 30 surtos no Brasil, totalizando cerca de 500 mil casos. A partir de 2013, o cenário epidemiológico mudou com o aumento dos casos de Chikungunya e Zika, que passaram a ser mais frequentes, reduzindo a atenção à Febre Oropouche, mas não o número de casos.


Historicamente, a doença foi negligenciada, pois até 2024 não era considerada de alto risco e não apresentava riscos de mortalidade significativos. Contudo, o crescimento dos casos na América do Sul e Central, juntamente com os primeiros registros de mortalidade e casos na Europa [1] e nos Estados Unidos [8] e a ocorrência das primeiras mortes ligadas à doença [6], a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou a enfermidade de alto risco regional e globalmente [9].


O infográfico abaixo apresenta alguns dados da Febre Oropouche, do vírus Oropouche e suas variantes através das décadas, com dados coletados entre 1950 e Junho de 2023. Nele podemos observar as regiões afetadas por cada uma das variantes, onde vetores e hospedeiros não-humanos foram registrados e os casos de enfermidade, divididos em casos confirmados, casos prováveis e casos estimados. Os casos de infecção pelo OROV em humanos são representados pela ausência de símbolos, enquanto em não-humanos são representados pelo símbolo do organismo afetado. Já os casos de infecção por variantes são representados por símbolos diferentes, com um asterisco representando as infecções de IQTV, uma estrela representando as infecções de MDDV e um triângulo representando as infecções de PEDV.


Figura 1. Detecção do vírus Oropouche, e suas variantes, em humanos, outros hospedeiros vertebrados, Ceratopogonidae e culicídeos, desde 1950 até junho de 2023. Fonte: Wesselmann et al. (2024). Modificado.


Problemáticas e desafios


A Febre Oropouche é dificilmente diagnosticada clinicamente, pois seus sintomas (febre, dor de cabeça, dores musculares e dores nas articulações) são similares aos de outras doenças causadas por arboviroses, como a dengue. A maioria dos casos é identificada por meio de exames laboratoriais (falamos um pouquinho sobre isso em outra publicação aqui do portal, você pode ler clicando aqui). A grande questão é a necessidade da criação de testes rápidos para a detecção da doença [10], já que a ausência de um sintoma específico que a identifique e a dificuldade do acesso à exames laboratoriais causa a subnotificação da doença, com seus casos comumente sendo diagnosticados como outras enfermidades ou identificados apenas posteriormente através de estudos moleculares [10].


Além disso, o ciclo epidemiológico do OROV não é totalmente compreendido, especialmente fora dos ambientes urbanos. Os humanos são os principais hospedeiros em áreas urbanas, enquanto no contexto silvestre ainda não está claro qual é o hospedeiro definitivo, com o OROV e anticorpos de OROV tendo sido encontrados em aves silvestres, preguiças, primatas e roedores, como demonstrado na figura 1. Atualmente, não existem tratamentos antivirais eficazes contra a Febre Oropouche, e nenhuma vacina está disponível [9, 10]. No entanto, vacinas para outros vírus do gênero Orthobunyavirus podem orientar o desenvolvimento de uma vacina contra o OROV.


O aumento das enfermidades geradas por arboviroses está ligado ao aquecimento global, que torna novas áreas aptas ao desenvolvimento de vetores, e à expansão humana em áreas desflorestadas (como explicamos aqui). As lacunas no conhecimento sobre a Febre Oropouche e o Oropouche vírus apresentam um cenário preocupante, especialmente considerando os recentes surtos no Brasil e no mundo.


Figura 2. O surto de OROV de 2024 no Brasil. (a) Mapa do Brasil mostrando os casos acumulados por estado de janeiro de 2024 a julho de 2024. (b) Número de casos confirmados positivos para OROV por semana epidemiológica, abrangendo de janeiro de 2024 a julho de 2024. Fonte: Tilston-Lunel (2024). Modificado. 



A situação atual demanda mais informações, vigilância epidemiológica aprimorada e o desenvolvimento de técnicas para identificação de casos. É fundamental que esse vírus seja monitorado pelos serviços de saúde, sendo reconhecido como mais um patógeno que requer diagnóstico diferencial preciso para ser reconhecido. Em um mundo onde uma infinidade de pessoas são afetadas diariamente por enfermidades causadas por arboviroses, a falta de informações faz com que a Febre Oropouche seja uma nova grande preocupação a ser enfrentada.



Referências



  1. ALVES, Ravenna. Após mortes confirmadas no Brasil, surto do oropouche atinge a Europa. 2024. Disponível em: https://www.metropoles.com/saude/brasil-surto-oropouche-atinge-a-europa. Acesso em: 21 out. 2024.


  1. CULEX quinquefasciatus. 2022. Disponível em: https://www.invivo.fiocruz.br/saude/culex-quinquefasciatus/. Acesso em: 21 out. 2024.


  1. ECOLOGIA E SAÚDE. Que fatores contribuem para os surtos de arboviroses?. [S.l.]. 19 mai. 2023. Instagram: @ecologiaesaude. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CscQp9SxJZ6/?img_index=1. Acesso em: 20 out. 2024.


  1. MENDONÇA, Silvana F. de et al. Evaluation of Aedes aegypti, Aedes albopictus, and Culex quinquefasciatus Mosquitoes Competence to Oropouche virus Infection. Viruses, [S.L.], v. 13, n. 5, p. 755, 25 abr. 2021. MDPI AG. http://dx.doi.org/10.3390/v13050755.


  1. MENEZES, Maíra. Especialistas detalham características do 'Culicoides paraensis', o mosquito-pólvora. 2024. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/2024/08/especialistas-detalham-caracteristicas-do-culicoides-paraensis-o-mosquito-polvora. Acesso em: 20 out. 2024.


  1. MINISTÉRIO da Saúde confirma dois óbitos por oropouche no país. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/canais-de-atendimento/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2024/ministerio-da-saude-confirma-dois-obitos-por-oropouche-no-pais. Acesso em: 21 out. 2024.


  1. RODRIGUES, Bruna; BRUNETTO, Nathalia. Arboviroses Emergentes na América Latina: Febre Oropouche e Febre do Mayaro. 2023. Disponível em: https://www.ecologiaesaude.com/post/arboviroses-emergentes-na-am%C3%A9rica-latina-febre-oropouche-e-febre-do-mayaro. Acesso em: 20 out. 2024.


  1. SULIMAN, Adela. What to know about ‘sloth fever’ as U.S., Europe warn of imported cases. 2024. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/health/2024/08/28/sloth-fever-oropouche-virus-symptoms-treatments-what-to-know/. Acesso em: 21 out. 2024.


  1. TILSTON-LUNEL, Natasha L.. Oropouche Virus: an emerging orthobunyavirus. Journal Of General Virology, [S.L.], v. 105, n. 10, p. 1-14, 1 out. 2024. Microbiology Society. http://dx.doi.org/10.1099/jgv.0.002027.


  1. WESSELMANN, Konrad M et al. Emergence of Oropouche fever in Latin America: a narrative review. The Lancet Infectious Diseases, [S.L.], v. 24, n. 7, p. 439-452, jul. 2024. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/s1473-3099(23)00740-5.


  1. ZHANG, Yuli et al. Oropouche virus: a neglected global arboviral threat. Virus Research, [S.L.], v. 341, n. 199318, p. 1-8, mar. 2024. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.virusres.2024.199318.


bottom of page