A dinâmica de transmissão de doenças por insetos vetores é conhecida desde que Carlos Finlay, um médico cubano, percebeu em 1880 que a distribuição dos casos de febre amarela ocorria de forma descontínua pelas cidades e que provavelmente existia um agente de transporte das doenças, indicando um mosquito como responsável. Anos depois, em 1900, Walter Reed e sua equipe demonstraram que a transmissão de febre amarela só ocorria se mosquitos picassem uma pessoa doente e depois de certo tempo uma pessoa saudável, que desta forma seria infectada pelo vírus da febre amarela. Isso revolucionou a forma de combate à febre amarela, pois uma vez entendido que ela é transmitida por um vetor, o modo de combatê-la tornou-se focado no combate ao mosquito vetor, o Aedes aegypti. Sendo que anteriormente, o combate era focado no saneamento, pois acreditava-se que sua causa era falta de saneamento adequado. Assim, nos anos seguintes, o Aedes aegypti foi intensamente combatido até ser declarado erradicado do Brasil nos anos 1950 (Benchimol, 2001). Depois disso, o Aedes foi retomando aos poucos sua distribuição pelo Brasil e a partir dos anos 1980 voltou a ter importância epidemiológica, desta vez pela transmissão da dengue, e mais tarde, em 2015, também pela transmissão da zika e da chikungunya (conheça mais sobre o histórico do Aedes aegypti no brasil aqui).
Além disso, antes de falarmos sobre a dinâmica, é importante lembrar: o mosquito é apenas parte do problema da transmissão de arboviroses. A dengue, por exemplo, é causada por um vírus do grupo Flavivirus, e os mosquitos transmissores só podem transmitir o vírus após entrar em contato com este, “picando” pessoas já infectadas (clique aqui para ver mais sobre a dinâmica de transmissão da dengue). E também que o motivo para a picada do mosquito não é a transmissão do vírus, é apenas parte do ciclo de vida da fêmea que pica pessoas e alguns outros animais para obter sangue (clique aqui para saber mais sobre o ciclo de vida do Aedes aegypti). Ou seja, a infecção não é uma “intenção” do mosquito, mas um acidente decorrente do seu hábito natural.
Tudo considerado, a importância do combate ao vetor para evitar a transmissão das doenças fica evidente. Por isso, os membros do projeto de extensão “Conhecendo Aedes aegypti e Aedes albopictus, os mosquitos dos vários vírus ” desenvolveram o jogo do lápis, uma dinâmica interativa com o fim de o aprendizado de crianças sobre a transmissão de doenças através de vetores.
Acompanhe um resumo do funcionamento do jogo no infográfico a seguir. Em seguida, há uma explicação mais detalhada de seu funcionamento! Quando terminar a leitura, pode utilizar o resumo como um guia passo-a-passo.
Imagem 1 - Infográfico explicativo do Jogo do lápis
Fonte: Imagem elaborada pelo autor
O jogo funciona como um teatro interativo, em que cada um cumpre um papel para simular um ambiente. Cada ambiente se diferencia a partir da mudança de quais dos três atores estão presentes. Os atores são: o mosquito fêmea (representado por um extensionista ou orador que domine o assunto), os vírus causadores de doença (representados por lápis) e as crianças (representadas por si mesmas). As crianças e o mosquito fêmea podem portar os lápis ou não, portar o lápis quer dizer que está infectado. Quando um personagem passa o lápis para outro, quer dizer que está transmitindo vírus. Assim, nas simulações, as crianças podem agir normalmente, brincando entre si, porém, quando tiverem lápis estão doentes. O mosquito deve picar crianças aleatoriamente, se aproximando delas e atuando. Quando um mosquito pica uma criança doente (que tem lápis), a criança deve passar alguns de seus lápis para ele, ficando com um ou poucos. Se a criança não tiver lápis então não deve passar nada. O contrário também é válido, se o mosquito tiver lápis (isso, é, estiver infectado, portando vírus) ele deve passar um ou alguns lápis para criança quando picá-la. Caso o mosquito não tenha lápis, nada acontece. Nós sabemos, entretanto, que as arboviroses não são transmitidas de uma pessoa para outra diretamente, por isso, uma criança não pode passar seus lápis para outra criança.
Dentre as várias possibilidades que o jogo permite, descrevemos na sequência a mais simples, em que o jogo é separado em três cenas. Cada cena simula uma combinação diferente dos atores. Na primeira cena o mosquito vetor e as crianças interagem em um ambiente comum. Nessa primeira cena não há vírus. Sendo assim, mesmo que o mosquito fêmea pique uma criança, ninguém “adoece” pois o vírus não está circulando.
A segunda cena simula a interação entre crianças infectadas, ou seja, portando alguns lápis cada uma, e crianças saudáveis, sem lápis, interagindo sem a presença do mosquito. Desse modo, mesmo com forte interação entre os personagens, não ocorre a transmissão da doença.
A terceira cena, por sua vez, representa um cenário em que há novamente crianças infectadas e saudáveis, dessa vez com o mosquito fêmea. Nesta cena, o mosquito pica as crianças aleatoriamente e se infecta ao receber um conjunto de lápis da criança infectada. A partir deste momento, o mosquito vai passar um pouco dos lápis recebidos para cada criança que picar, demonstrando o papel do mosquito vetor na transmissão da doença. Ao fim da terceira cena, é esperado que muitos participantes estejam infectados. Vale lembrar que se tratando de arboviroses, os mosquitos carregam o vírus, mas não adoecem por causa deste, ou seja, o mosquito pode transmitir dengue, por exemplo, mas não é afetado pela doença.
A abordagem é lúdica e imaginada para grandes grupos de crianças, sendo perfeita para aplicação nas escolas. Os professores Cristian Rojas e Elaine Soares, coordenadores do projeto “Conhecendo Aedes aegypti e Aedes albopictus, os mosquitos dos vários vírus” realizam a atividade há anos em diversas escolas de Foz do Iguaçu. De acordo com a professora Elaine, a atividade é um sucesso: os alunos se interessam no tema, gostam da brincadeira e a partir dela compreendem bem que as arboviroses em questão são causadas pelo vírus e transmitidas pelo mosquito. Os resultados são observados depois, quando os alunos replicam o conhecimento explicando para colegas que não participaram da dinâmica, normalmente de turmas mais novas, como funciona a relação entre o vírus, o mosquito e as pessoas.
Por fim, gostaríamos de ressaltar que muitos outros conceitos podem ser introduzidos a essa dinâmica, tornando-a mais complexa. Dentre estes conceitos, por exemplo, pode-se adicionar repelentes de mosquitos que seria algum objeto ou sinalização que algumas crianças carregam consigo. Quando o mosquito tenta se aproximar de uma criança com repelente, ele deve atuar enojado e não picar a criança, demonstrando como o uso destes pode prevenir que uma doença que está circulando atinja quem está protegido. Sendo assim, caso tenha ideias diferentes de como ou para que aplicar a dinâmica, deixe aí para que outros possam utilizar também!
Por Micael Baruch e Elaine Soares
Referências
BENCHIMOL, J.L. Febre amarela: a doença e a vacina, uma história inacabada. Editora Fiocruz, 2001. Disponível em: <https://books.scielo.org/id/4nktq>. Acesso em: 22 de mar de 2022.
FIOCRUZ. Dengue. Disponível em: <http://www.cpqrr.fiocruz.br/pg/dengue/>. Acesso em: 18 de mar de 2022.
PRADA, Y. L. C., TORRES, S., ROJAS, C. A. Conhecendo Aedes aegypti e Aedes albopictus, os mosquitos dos vários vírus. III SIEPE UNILA, 2021. Disponível em: <https://dspace.unila.edu.br/bitstream/handle/123456789/5276/IISIEPE_%20%20213-217.pdf?sequence=1&isAllowed=>. Acesso em: 25 de mar de 2022.