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O uso de Wolbachia para interromper a transmissão de vírus transmitidos pelo Aedes


As arboviroses, como a dengue, zika e chikungunya, são consideradas um grave problema de saúde pública em muitos países, incluindo o Brasil. Frente a isso, os cientistas têm desenvolvido ao longo da história muitas técnicas para combater seu vetor (mosquitos do Gênero Aedes), como técnicas químicas, físicas e biológicas, nem sempre bem sucedidas. Por isso, atualmente estão sendo desenvolvidas novas técnicas, como é o caso do uso da Wolbachia.


O que é Wolbachia?


A Wolbachia é uma bactéria que infecta até 40-60% de todas as espécies de insetos (mas não infecta o Aedes aegypti). Ela é um endossimbionte bacteriano, ou seja, é uma bactéria que mora dentro do inseto. Por muito tempo essa bactéria foi de interesse para os biólogos pela sua capacidade de influenciar na reprodução do inseto de maneira que possa transmitir seus genes para as seguintes gerações. A Wolbachia é herdada pela mãe através do citoplasma do ovo do inseto, favorecendo direta ou indiretamente as fêmeas de insetos que carregam Wolbachia para deixar para trás mais descendentes do que as fêmeas não infectadas. A figura abaixo explica como isso acontece.


Figura 1: Dinâmica da transmissão da Wolbachia (Modificada de O’Neill, 2018)


A. Se um Aedes aegypti macho com Wolbachia se cruza com uma fêmea que não tem a bactéria, os ovos que ela produzir serão inviáveis e não originarão novos mosquitos.


B. Se um A. aegypti macho com Wolbachia se cruza com uma fêmea que também tem a bactéria, os ovos serão viáveis e os descendentes serão portadores de Wolbachia.


C. Se A. aegypti macho sem Wolbachia se cruza com uma fêmea com Wolbachia, os ovos serão viáveis e os descendentes herdarão a bactéria.


Assim, ao longo das gerações, quase todos os mosquitos dessa população terão a bactéria.


E por que seria interessante mais indivíduos da população portadores de Wolbachia?


O fato de ter a maioria dos A. aegypti infetados com Wolbachia reduz o número de transmissões de doenças (dengue, zika, chikungunya e outras), pois a Wolbachia dificulta que os vírus e outros patógenos se desenvolvam normalmente dentro do Aedes aegypti, já que existe uma disputa por recursos entre a bactéria e o vírus. Neste contexto, a bactéria leva vantagem sobre o vírus e, como a Wolbachia é um microrganismo que só vive nas células de insetos, ela não pode ser transmitida para humanos e outros mamíferos. Como a transmissão da Wolbachia é vertical (de mãe para filho) também é baixo o risco de contaminação das espécies nativas.



Quem está usando a WOLBACHIA?


O “World Mosquito Program” (WMP) ou “Programa Mundial do Mosquito” é um consórcio de pesquisa sem fins lucrativos que usam a bactéria para o controle de vírus transmitidos por Aedes aegypti. O principal objetivo do programa é liberar intencionalmente mosquitos infectados com Wolbachia em áreas-alvo onde esses mosquitos irão transmitir a Wolbachia para as populações de mosquitos selvagens ao longo de várias gerações diminuindo a competência dessas populações de A. aegypti para transmitir patógenos. O programa atualmente atua em vários países, mas as primeiras liberações foram feitas na Austrália.


Figura 2: Países onde o Programa Mundial do Mosquito atua. Fonte: O’Neill (2018).


Para implementar o programa, é necessário liberar mosquitos machos e fêmeas portadoras de Wolbachia até que essas populações se estabeleçam localmente. Os primeiros experimentos foram realizados no norte da Austrália, onde foram liberados 10 mosquitos machos e fêmeas em cada casa da cidade, uma vez por semana, durante 10 semanas. Isso foi suficiente para estabelecer a bactéria na população local de mosquitos.

O tempo necessário para o estabelecimento de populações locais infectadas é variável, mas as liberações piloto foram realizadas com sucesso em cinco países (Austrália, Indonésia, Vietnã, Brasil e Colômbia). Os resultados indicam que a cepa pode ser implantada com sucesso em diversos ambientes, tanto ecológica quanto culturalmente. Os dados observacionais dessas implantações suportam grandes impactos na transmissão de doenças, conforme previsto por modelagem.

O fato de que o estabelecimento do mosquito com Wolbachia seja fácil, é um atributo muito importante do programa pois os custos de implementação só ocorrem no início quando são realizadas as liberações, evitando a necessidade de gastos contínuos, como é o caso de outras intervenções (inseticidas, mosquitos transgênicos, etc .)

Dada a semelhança na ecologia da dengue e da zika, a Wolbachia bloqueia a transmissão da zika da mesma forma que o vírus da dengue. Por isso, em 2016 um grupo consultivo especial da OMS recomendou publicamente que as intervenções de Wolbachia deveriam ser implantadas em escalas maiores, dadas as evidências preliminares. Por isso, duas grandes implantações piloto foram iniciadas em Niterói, no estado do Rio de Janeiro no Brasil e em Medellín, Bello na Colômbia.


 

Por Grecia Antonella


Referências


O’Neill S.L. The Use of Wolbachia by the World Mosquito Program to Interrupt Transmission of Aedes aegypti Transmitted Viruses. Hilgenfeld R., Vasudevan S. (eds) Dengue and Zika: Control and Antiviral Treatment Strategies. Advances in Experimental Medicine and Biology 1062, Springer, 2018. Disponível em <https://doi.org/10.1007/978-981-10-8727-1_24>. Acesso em: 23 de agosto de 2021


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